segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Bê a Bá

Eu odiava Português. Ou, pelo menos, dizia que odiava. Desde pequena, até perceber que não tinha nada de ódio na minha relação com essa matéria.
Mas sabe aquele sentimento que dá na gente de não suportar tanto uma coisa a ponto de se dedicar especialmente a ela só para mostrar a si mesma/o que é capaz de superá-la, absorvê-la, internalizá-la? Pois é, foi mais ou menos assim a minha experiência com o bendito.
A verdade é que eu sabia todas as regras, mas, cá entre nós, regra é uma coisinha tão chata... Bem, como eu também sou, vai ver que por isso a gente não se deu bem de primeira.
Até que eu comecei a tomar gosto pelo inconveniente, abusado, enjoado e o que mais queiram chamar, a ponto de me tornar tão inconveniente, abusada e enjoada quanto!
Ah, por anos alimentei a mania de corrigir todo mundo, amigos próximos, geralmente (porque corrigir pessoas desconhecidas era um pouquinho demais né?), e até professores (quanta petulância!). Claro que chegou um momento que percebi que esse hábito não era tão saudável assim e parei.
Mentira.
Ainda hoje me vejo corrigindo alguns erros, mas discretamente. É porque é automático, quase inevitável!


Mas vocês hão de convir que existem erros absurdos. Hoje em dia, chego a ver propagandas de grande circulação com erros inadmissíveis. Às vezes eu nem acredito no que eu li.
Recentemente recebi um e-mail da Justiça Federal informando que eu deveria compareçer no Fórum para buscar o certificado de participação em um evento. Vocês leram isso? Perceberam? Exatamente: compareÇer!
Fiquei estarrecida. E não era para menos, ou era? Eu olhava para a palavra, ela olhava para mim e passamos alguns segundos nessa troca de olhares até eu realizar que era aquilo mesmo. Tudo bem, era do Núcleo de Estágio e Treinamento...
Tudo bem?! Estamos falando de pessoas que cursam o nível superior de ensino, ou que cursaram, no mínimo, o ensino médio.


Outro dia li numa Moção de Repúdio de companheiros universitários algo mais ou menos assim: "essa é a maneira como lhe damos com a situação". Será que durante todos os anos de estudo até chegar à Universidade eles nunca souberam da existência do verbo "lidar"?!

Agora, digam-me vocês se é possível manter por muito tempo a discrição e o autocontrole para não sair corrigindo loucamente esses casos.
Um amigo achou por bem tentar fazer com que eu me conformasse com a situação e disse que erros de português são comuns e que temos que aprender a lidar com isso.
Certo, problemas existem, mas temos que tentar solucioná-los, não?

Não estou me referindo aqui ao analfabetismo, nem a determinados vícios de linguagem ou ao linguajar regional (cada um com suas curiosas peculiaridades). Mas, sim, justamente tendo em vista que quase 15 milhões de pessoas são analfabetas no Brasil, refiro-me àquelas que tiveram a oportunidade de ter acesso ao conhecimento das Letras e que deveriam muito mais valorizá-lo. Refiro-me especialmente àqueles que lograram o ingresso numa instituição de ensino superior, dos quais o domínio da Língua Mãe é um mínimo exigível.

Estou falando de nós, privilegiados, que temos livre e fácil acesso à boa leitura, a qualquer leitura que seja, enfim. Para que não nos tornemos verdadeiros analfabetos funcionais, incapazes de interpretar simples textos, que dirá produzi-los!

Não quero, por fim, defender um preciosismo exacerbado. Até porque, quem, cotidianamente, respeita regras de utilização de próclise, ênclise e mesóclise, por exemplo? Exceto em trabalhos acadêmicos e em livros literários - e olhe lá! - não vemos situações desse tipo. Além do mais, não faz muito sentido exigir isso. Mas o bom uso de vírgulas, acentuação, concordância, grafia é possível cobrar.

Busco apenas e tão somente um maior cuidado/zelo na nossa comunicação.

9 comentários:

  1. Sou do mesmo jeitinho! A diferença é que eu nunca tive esse ódio pelo português, eu já gostava desse cedo. Mas eu chegava a ser irritante com essa mania de corrigir as pessoas (até mesmo professores),e hoje, quando eu não corrijo e consigo me segurar, ainda faço uma careta como se a pessoa tivesse acabado de me bater, kkkkkkk. Adorei o blog, flor :)

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  2. Agora vou me "gramatizar" quando vc estiver por perto. uahuashuashuahs
    Parabéns pelo texto, Mari; tá uma belezura!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Concordo plenamente com você! Na qualidade de pessoa que pena para incluir palavras como 'obumbramento' no vocabulário corrente, e ainda ouve colegas afirmarem que a palavra é feia, te dou todo o meu apoio. E toda a autorização para me corrigir, em caso de falhas (como o habitual 'houveram' em vez de 'houve' rsrs). E vamos nos insurgir, nós, que conjugamos o 'tu' corretamente, porque se eu presenciar mais alguém escrevendo anCiosa, canÇada ou afins, sou capaz de cometer um genocídio! Belo texto, mademoiselle.
    PS: Deletei o comentário anterior sem querer .-.

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  5. [...Para que não nos tornemos verdadeiros analfabetos funcionais, incapazes de interpretar simples textos, que dirá produzi-los!...]

    Ok, concordo com o apelo do texto, mas não vamos exagerar né?

    No mais encerro o comentário aqui antes de cometer algum erro gramatical.

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  6. Se é para criticar o português alheio, que o nosso seja perfeito.

    A seguinte frase sua está escrita de maneira equivocada, vez que "vocês" é vocativo e deveria, pois, vir entre vírgulas:

    "Agora, digam-me vocês se é possível manter por muito tempo a discrição e o autocontrole para não sair corrigindo loucamente esses casos."

    Outra falha de pontuação temos em:

    "Ainda hoje me vejo corrigindo alguns erros, mas discretamente. É porque é automático, quase inevitável!"

    "Ainda hoje" é adjunto adverbial deslocado, devendo vir seguido de vírgula. Nesse caso, após a vírgula, a construção correta seria "vejo-me". O mesmo vale para várias outras frases em seu texto.

    Como você mesma disse, "o bom uso de vírgulas, acentuação, concordância, grafia é possível cobrar." Cobro-lhe agora.

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  7. "Não quero, por fim, defender um preciosismo exacerbado. Até porque, quem, cotidianamente, respeita regras de utilização de próclise, ênclise e mesóclise, por exemplo?" ;)

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  8. O analfabetismo funcional consiste justamente em ler um texto, mas não conseguir interpretá-lo. Por exemplo, em todos os exemplos que dei, temos equívocos de pontuação, não de aplicação de próclise, ênclise ou mesóclise. Em um único exemplo, citei que se deveria utilizar ênclise caso a frase estivesse corretamente escrita. No mais, é exigível, sim, que, ao escrever, empreguemos as construções corretas. Não é razoável exigi-lo (refiro-me, aqui, à colocação adequada dos pronomes oblíquos átonos nas frases) de uma pessoa que está a falar, mas falar não é escrever.

    Não me leve a mal. A questão é que, antes de criticarmos os outros, devemos estar seguros de que a crítica que fazemos não nos pode ser aplicada também. O que não ocorre aqui. Tenho um português excelente - e digo isto sem modéstia alguma - e também me irrito com erros grotescos que vejo diariamente por aí, mas sei que ainda tenho muito, bastante a aprender. Por isso, abstenho-me de fazer certas colocações, como as suas, uma vez que o risco de erro está sempre à espreita. Como eu disse, se quer criticar, esteja seguro de que a crítica não se lhe aplica.

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  9. A propósito, deixo claro que fui generosa contigo. Citei apenas dois casos em que a frase está escrita de maneira errada, quando identifiquei vários outros em teu texto.

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